Resumo do artigo:
– Memento mori, um ritual de celebração do triunfo romano que ensina sobre liderança
– Empatia como um dos princípios do design e da liderança
– Ben Horowitz, a ambição sadia, a doentia e seu impacto na organização
– A importância das pessoas para a formação do caráter e da cultura das empresas
– Altruísmo? Pessoas felizes trabalham mais
Memento Mori*
*Embora citado por alguns historiadores, não há comprovação de que o memento mori de fato tenha ocorrido e que a frase usada pelos escravos era exatamente essa.
Na Roma antiga, quando um comandante vencia uma batalha importante, percorria a cidade num ritual conhecido como “triunfo romano”. Durante todo o trajeto pelas ruas da cidade, em que era saudado pelos cidadãos, o comandante era seguido por um escravo que tinha um único papel: cochichar uma expressão no ouvido do comandante: “memento mori” (traduzindo: “Lembre-se que você morrerá”, ou, ainda, “Lembre-se que você é mortal”). A ideia por trás desse ritual era deixar claro para o comandante que ele era mortal e para que não se apegasse ao momento de triunfo e, por fim que se lembrasse que, cada período de ascensão, é seguido por uma possível de queda (afinal, a vida é cíclica).
Enquanto gozava dos louros de seu trunfo, o comandante era lembrado de sua finitude.
Memento mori e o estoicismo
Para os estóicos, o memento mori não tem nenhuma relação com a morbidez ou a promoção gratuita do medo, mas como um lembrete para que se possa desenvolver prioridade e dar significado às coisas da vida. A ideia é que não se perca tempo com o que é trivial ou efêmero, mas que o momento presente seja vivido intensamente, mas, sem apego.
Para conhecer mais obre o tema, recomendo esse podcast do Boa Noite Internet, com o Cris Dias.
Por que falar de um tema tão indigesto?
Porque eu acredito que esse é um ótimo aprendizado de liderança: lembrar que somos finitos e que os momentos de trunfo podem ser seguidos por outros onde é necessário juntar os cacos — algumas vezes, a própria dignidade — e, caso ela esteja ausente, resgatar a humildade. Ah, também não dá pra esquecer a empatia.
Liderança e empatia
“A maioria das pessoas está propensa a acreditar que é o centro do mundo, e que sua cultura é o sustentáculo da história humana”. Yuval Noah Harari em 21 lições para o século XXI. No livro, Yuval cita mamíferos como lobos, golfinhos e macacos como exemplos de códigos de conduta, lembrando que a cooperação em grupo e a ética são alguns de seus legados: “macacos não só evitam tirar vantagem de membros mais fracos do grupo como às vezes os ajudam ativamente”.
Estamos falando de pessoas, certo?
“Precisamos aprender a colocar as pessoas em primeiro lugar”. Tim Brown.
Sim, posso garantir que estamos falando de pessoas. Estamos falando das relações interpessoais, de empatia, das relações dentro das organizações — entre as pessoas dos diferentes níveis hierárquicos — e também das formas como nos relacionamos com as pessoas fora das 4 linhas (aquelas que não estão dia a dia da empresa).
“Seu cargo o torna um gerente. Sua equipe o torna um líder”. Debbie Bionodolillo (ex-diretora de recursos humanos da Apple).
Não é só a maneira como você se manifesta para quem está do lado de fora, vendo você naqueles poucos momentos em que você fala, faz suas apresentações, passa para a próxima tela do seu keynote, dá o seu show. Estamos falando de algo muito mais profundo e importante: os seus fundamentos, aquilo que de fato constitui você. Esses valores são evidenciados nas relações que você cria e alimenta no seu ambiente de trabalho e fica muito latente na maneira como você trata aquelas pessoas que ocupam cargos inferiores ao seu (quer saber mais sobre as pessoas? Faça o exercício de observação e você conhecerá melhor quem está próximo de você). Muhammad Ali, costumava usar uma frase que ilustra o que eu quero dizer: “Eu não confio em ninguém que me trata bem, mas é rude com o garçom. Porque eles me tratariam da mesma forma se eu estivesse nessa posição”.
Empatia e design
No livro Design Thinking: Uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias, Tim Brown define empatia como “a tentativa de ver o mundo através dos olhos dos outros, de compreender o mundo por meio das experiências alheias e de sentir o mundo por suas emoções”. Essa — se colocar no lugar das pessoas — é uma das atividades requisitadas para um bom trabalho de design thinking.
Aliás, recomendo esse TED com o Tim Brown:
Humildade, compreensão de liderança e os copinhos de isopor
“Com atitudes, os líderes demonstram sua natureza igualitária — estamos todos juntos e nenhum de nós está acima das tarefas mais humildes que precisam ser feitas. Liderança exige paixão”. Como o Google funciona, de Eric Schmidt e Jonathan Rosenberg.
Esse vídeo do Simon Sinek, autor de livros como “Comece pelo porquê”, “Encontre seu porquê” e o novo “O jogo infinito” e criador da metodologia Golden Circle, serve bem para ilustrar a proposta desse artigo. Nele, Simon conta a história de um sub-secretário de defesa americano convidado para palestrar em um grande evento. Ao entrar no palco, ele começa falando sobre as armadilhas do sucesso ou das posições de destaque que são ocupadas, alegando que entre as principais armadilhas da ascensão está o fato de que as coisas não necessariamente sobre você, mas sobre a cadeira/status que você ocupa em um determinado momento.
Confira o vídeo do Simon (garanto que vale cada segundo investido):
Por que você quer uma posição de liderança?
Para Ben Horowitz, um dos mais respeitados empreendedores do Vale do Silício e autor do livro “O lado difícil das situações difíceis”, existem dois tipos de ambições comumente observadas nas organizações:
A ambição doentia
A ambição pelo sucesso pessoal, independentemente do sucesso da empresa. Para Horowitz, mesmo que seja muito difícil identificar esse tipo de comportamento em um primeiro momento, você deve prestar atenção em indícios que revelam se essa pessoa vê o mundo do ponto de vista do “eu” ou do “nós”.
A ambição sadia
Horowitz cita Andy Grove, o lendário presidente da Intel, para afirmar que ambição sadia é aquela que visa o sucesso da empresa. Para ele, o sucesso dos fundadores e dos colaboradores é uma consequência do sucesso alcançado pela empresa. Portanto, o que existe por trás dessa ambição sadia é algo maior que o discurso do indivíduo, do “eu”. O que vale é a força do coletivo e um propósito único a ser perseguido.
O efeito cascata
Para um ambiente saudável e de crescimento é necessário ter claro uma boa missão e isso só é possível quando essa missão supera as ambições pessoais de todos, inclusive dos executivos e fundadores da organização. Horowitz diz que “se as pessoas que estão no controle de uma empresa se preocupam mais com suas carreiras do que com a sua empresa, os colaboradores farão a mesma coisa”. Horowitz.
A importância das pessoas para a cultura das organizações
“100% dos clientes são pessoas. 100% dos funcionários são pessoas. Se você não entende de pessoas, você não entende de negócios”. Simon Sinek.
Simples assim. Conhecer as pessoas, tentar compreender suas angústias, anseios, ambições, suas origens, a forma como lidam com seus problemas, como gostam de ser tratadas e seus valores são maneiras inteligentes para compreender se estarão alinhadas à cultura da empresa e como se comportarão no ambiente. A contribuição dessas pessoas é parte do DNA da organização.
Em artigo recente, escrito para o projeto Design 2020, Anderson Gomes (head of design @Youse) ressaltou que a “cultura é feita por pessoas que se reúnem por um propósito em comum, gerando comportamentos semelhantes diante dos desafios daquele ambiente. Essas reações geram lições aprendidas coletivamente e ajustes iterativos a fim da prosperidade do grupo. Mudanças culturais acontecem quando os indivíduos daquele grupo se transformam, novos membros são incluídos ou membros são excluídos. Ou seja, as pessoas carregam a cultura para onde vão e influenciam de forma sistêmica no todo”.
“Cuide das pessoas, dos produtos e dos lucros. Nessa ordem”. Ben Horowitz.
Por que as pessoas são tão importantes para a cultura e como isso impacta na organização
“O caráter de uma empresa é a soma dos caráteres de sua gente”. Eric Schmidt e Jonathan Rosenberg.
O exemplo vem de cima. Não, não é nenhuma novidade, mas continua atual e serve como baliza para as atitudes que são adotadas pelas pessoas que estão trabalhando com você (novamente, sem distinções: seus superiores, as pessoas que dividem cargos como o seu ou aqueles que ocupam posições abaixo da sua. Para Anderson Gomes, “cultura não se transforma por ordens e normas, mas sim pelos exemplos. Líderes precisam se comportar de outra maneira para que este novo comportamento seja replicado organicamente. Comportamentos desejáveis precisam ser reconhecidos, iniciativas positivas (intencionais para uma direção desejada) precisam começar com “Early Adopters” e expandidas através do exemplo. As principais mudanças acontecem dentro das pessoas, nas vísceras, vividas emocionalmente de fato, para que cada indivíduo se torne um fator de mudança positiva”.
Não deixe para depois: o poder das pessoas para a cultura da organização
A construção da cultura de uma organização deve ser incentivada desde seu início, porque é ela quem irá determinar o caráter da empresa e a forma como esse caráter ecoa para as pessoas e para a opinião pública.
Confira algumas opiniões que sustentam essa afirmação:
“Juntar pessoas incríveis cria um ambiente no qual todos compartilham ideias e trabalham nelas. Isso é sempre verdade, especialmente em um ambiente que está começando. Por isso, a importância de cada pessoa que está na organização sempre é grande, porque são essas pessoas que chamaram a atenção de outras que querem estar juntas no projeto e abraçar a cultura”. Eric Schmidt e Jonathan Rosenberg.
Aqui, no Brasil, em um bate-papo promovido pela How com André Boaventura, CMO do EBANX, retiramos alguns insights sobre o tema:
“Desde o começo nós sempre investimos muito em cultura, e sim: ela não é construída por pessoas de marketing, mas a gente conseguiu traduzir aqueles pensamentos no que a gente chama de cultura hoje. Desde o dia 1 a gente se preocupou em olhar para quem estava dentro de casa, contar e recontar essa história, porque às vezes, nem os próprios fundadores conseguem expressar o tamanho do sonho deles. A primeira coisa então, foi deixar isso claro: “Ebankers, é isso que vocês fazem, é dessa forma que vocês estão tentando mudar o mundo”. Investir nas pessoas lá dentro sempre foi primordial e, não é papo de RH. É acreditar na construção de um ambiente favorável”.
Puro altruísmo? Pessoas felizes produzem mais
Não. Não é puro altruísmo. É fácil reconhecer ambientes produtivos e com altos níveis de engajamento: eles possuem grande energia que irradia das pessoas, eles são ambientes leves, que priorizam a troca, eles não são intimidadores, respeitam as diversidades, aceitam o erro como parte do processo de aprendizado e são criados para que as pessoas possam crescer e se desenvolver.
Esses são os ambientes que estão atraindo grande parte das cabeças pensantes e de pessoas criativas, como concluem Eric Schmidt e Jonathan Rosenberg: “pessoas criativas colocam a cultura no topo da lista: para serem eficientes, eles precisam gostar do lugar onde trabalham. É por isso que, ao começar uma nova empresa ou iniciativa, a cultura é a coisa mais importante a ser considerada”.
Esses espaços horizontalizados são propensos para a aquisição e manutenção de pessoas engajadas, e isso, invariavelmente, é revertido nas conquistas da empresa: “não é criar um ambiente simplesmente para agradar o funcionário, a gente sabe que culturalmente, pessoas conectadas produzem mais. Simples assim: se você é feliz, você produz mais. E a gente entende isso, assim como entende que nem sempre é possível atender tudo e todos”. André Boaventura.
Agenda de diversidades
O EBANX, aliás, é uma startup que tem como parte de suas crenças um forte trabalho de sustentação e apoio às diversidades. De uma agenda forte de LGBT, passando pela preocupação no desenvolvimento e sustentação de uma agenda para negros, economia prateada, entre outros. A ideia por trás dessas frentes é que as pessoas se sintam minimamente acolhidas pela empresa, em um ambiente favorável. Todas essas frentes e iniciativas são os pilares culturais e os valores da empresa.
A construção da cultura organizacional: um passo após o outro
Jeff Bezos ressalta o trabalho de formiguinhas que é o desenvolvimento da cultura de uma organização: “a cultura de uma empresa é criada devagar, ao longo do tempo, pelas pessoas e pelos eventos. Para o bem ou para o mal, é algo estável, duradouro e difícil de mudar”.
As dificuldades para mudança de cultura também são destacadas por Eric Schmidt e Jonathan Rosenberg, porque é a cultura que atrai os principais talentos de uma empresa e são essas pessoas que continuam a alimentar essa cultura: “uma vez estabelecida a cultura de uma empresa, é muito difícil modificá-la, porque cedo instala uma tendência de autosseleção. Pessoas que acreditam nas mesmas coisas que a empresa serão atraídas para trabalhar nela, enquanto aquelas que não acreditam não são. Se uma empresa acredita em uma cultura na qual todos têm voz e as decisões são tomadas em grupo, ela atrairá funcionários que pensam assim”.
Alguns elementos que compõem a cultura, portanto, são aqueles destacados no artigo:
– as pessoas são a força motriz de qualquer organização. Como destacado por Ben Horowitz “Cuide das pessoas, dos produtos e dos lucros. Nessa ordem.”
– os líderes e a forma como eles encaram o seu trabalho, mas, principalmente, a forma como conseguem estabelecer conexões tão fortes como a empatia não só com as pessoas que estão do lado de fora dos muros do QG, mas, principalmente, as pessoas que estão remando junto, que fazem a organização acontecer. Destaque para a máxima de Eric Schmidt: “Dedique tempo para conhecer e se importar com as pessoas”.
– a disseminação dos valores já nas fases iniciais da organização e os seus objetivos.
Para fechar: Esse mês completamos 2 anos de How e todos os artigos abordarão temas que consideramos nossos pilares, como esse primeiro, que sintetiza um de nossos valores: cuidar primeiro das pessoas.
Se quiser continuar essa conversa, fale comigo ([email protected]).
Renato “Minas” Buiatti é educador e cofounder da How.