Obs: Esse artigo foi escrito por Ana Lima, Product Designer Jr. @ Will Bank e publicado originalmente aqui.
Já passou da hora de falar sério (e fazer mais) sobre acessibilidade digital
Mais uma vez tive a felicidade de ganhar uma bolsa da PretUX para um tema sobre o qual eu estava super interessada em aprender: acessibilidade digital. Como uma designer de produto que migrou para a área há pouco tempo, sinto que o que meus conhecimentos são uma gotinha nos sete mares do design. Não existe um tema que não me interesse. Quero aprender todos ao mesmo tempo, colocá-los em prática, fazer com que todas as pessoas do meio também o façam… Enfim, é uma ansiedade gostosa em abocanhar todo o universo do design (que por um tempo foi uma ansiedade obsessiva, mas aprendi a lidar com ela).
Passado o desabafo da novata, digo, voltando ao assunto deste artigo, o bootcamp de acessibilidade da How Education foi ministrado pelo incrível Paulo Aguilera Filho. Foram horas de compartilhamento de diretrizes, dicas, mentorias e conselhos para a vida pessoal e profissional sobre o quanto podemos fazer para melhorar a acessibilidade em nossos produtos digitais — e como atualmente a maioria de nós faz tão pouco para atingir mais pessoas.
Quando você pensa em inclusão digital, que públicos vêm à sua cabeça? Pessoas cegas? Surdas? Provavelmente você deve ter pensado nelas, mas acessibilidade vai muito além disso. Temos que pensar nas pessoas daltônicas, com deficiências físicas permanentes e severas, autistas, disléxicas. Temos que nos lembrar das pessoas que usam telas pequenas, ou que acessam sites e aplicativos utilizando o plano de dados diários, ou que moram em lugares remotos com internet. Não podemos esquecer aquela pessoa que estudou até o 4º ano do ensino fundamental e não tem um vocabulário rebuscado como o de alguém com dois doutorados. Não podemos ignorar pessoas.
Eu poderia utilizar argumentos estatísticos para te convencer a praticar a acessibilidade em seus produtos, como os 45 milhões de brasileiros com deficiência, ou os mais de 30 milhões de idosos, mas vou apenas citar o indiscutível argumento de Leonardo Ferreira, engenheiro de software do Nubank e convidado do bootcamp:
Essas pessoas com deficiência, elas mesmo não andando, não vendo, não ouvindo, ou até com alguma dificuldade para raciocinar, todas elas continuam sendo pessoas e têm direito de acessar esses serviços. Todo mundo come, todo mundo precisa beber alguma coisa, todo mundo precisa se vestir, sair, se divertir, precisa do shopping, precisa comprar comida pelo delivery, precisa alugar uma casa para morar, precisa trabalhar, então todo mundo precisa. Todas as pessoas precisam. São necessidades comuns. Só que se essas pessoas não têm acesso, elas vão precisar pedir para outras pessoas fazerem aquilo, até que alguém ofereça um serviço acessível e elas passem a não pedir. E elas mesmas fazerem as atividades delas e procurarem o concorrente. E geralmente o concorrente que é mais acessível, que é mais usável, ele costuma vender mais, ele costuma convencer mais as pessoas a utilizar. Porque quando é bom para uma pessoa com deficiência, é bom pra todo mundo. Ou costuma ser bem melhor pra todo mundo.
A minha avó, por exemplo, é uma jovem idosa moderninha de quase 90 anos que chama seu próprio Uber, paga suas contas no aplicativo do banco, lê notícias da BBC, conversa com toda a família pelo grupo WhatsApp, joga trívia e mais o que lhe der na telha. O problema é que ela tem uma degeneração inoperável no nervo ocular que provoca uma diminuição progressiva da visão. Há alguns anos ela está perdendo a visão da periferia para o centro, além da visão de cores. Se um aplicativo tem pouco contraste ou fontes muito pequenas, ela não consegue utilizá-lo. Além disso, a impaciência típica das pessoas idosas (e aqui me incluo, porque a cada dia tenho menos paciência para lidar com telas difícieis) atrapalha sua experiência de usuária. Será que estamos pensando em personas como a minha avó no momento de projetar nossas “soluções”? Será que são mesmo soluções para pessoas como ela?
Com muita sensibilidade e empatia, Paulo e seus convidados me fizeram refletir sobre o quanto meu trabalho e minha rotina de designer são defasados em relação à acessibilidade. Foram quatro encontros tomando “tapas em luvas de pelica”, percebendo quantas ferramentas estão disponíveis no mercado e são subutilizadas porque não desenvolvemos uma cultura de acessibilidade nas organizações privadas, no governo, no dia a dia. Dizem que o primeiro passo para a solução é o reconhecimento do problema; pois bem, saio deste curso com uma vontade louca de sair mudando tudo nos meus protótipos, no meu dia a dia, nas minhas redes sociais e poder abarcar de verdade o maior número possível de pessoas.
Em 2020, a plataforma BigDataCorp e o Movimento Web para Todos fizeram uma pesquisa e concluíram que apenas 0,74% dos sites brasileiros foram aprovados em todos os testes de acessibilidade submetidos. É um número vergonhoso, dados o potencial e a qualidade do mercado de tecnologia no Brasil. Só para termos ideia de como este número é pequeno, fiz questão de representá-lo na imagem abaixo.
Eu poderia trazer ferramentas, plugins, sites e outros instrumentos para fomentar a acessibilidade, mas vou compartilhar as maiores lições que aprendi neste curso:
- Olhe ao redor. Converse com outras pessoas fora do seu time, do seu meio;
- Escute pessoas fora dos padrões para os quais você tem o costume de desenvolver seus sites e aplicativos;
- Fomente a diversidade e a inclusão de forma abrangente na empresa onde você trabalha;
- Assim como designers sabem que não podem aplicar suposições sem pesquisa, não julgue que suas soluções são acessíveis baseando-se em achismos;
- Pense em acessibilidade desde a descoberta do problema, e não apenas depois que a solução estiver no ar;
- Faça pesquisas de acessibilidade, e não apenas com pessoas que enxergam e ouvem perfeitamente ou não têm limitações motoras;
- Teste suas soluções em cenários com diferentes limitações: utilize as ferramentas de acessibilidade do seu smartphone; navegue no seu site pelo teclado para sentir na pele o que é não ser uma persona do seu projeto;
- Estude as diretrizes de acessibilidade. Crie guias de acessibilidade na sua organização;
- Desenvolva e cultive a cultura de acessibilidade no seu ambiente de trabalho;
- Explore a comunidade de acesssibilidade. Há muitos grupos nas redes sociais e mensageiros instantâneos e as pessoas são muito dispostas e acessíveis para ajudar a melhorar o cenário de acessibilidade digital.
Mas você vai fazer tudo isso a partir de agora, Ana? Não sei se vou conseguir, mas prometo tentar! Meu papel como designer é trazer soluções melhores para meus usuários… E isso vale para todos eles, e não apenas para uma parcela.
Caso você queira se aprofundar no tema, seguem abaixo alguns links legais:
- Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web (WCAG) 2.1: https://www.w3c.br/traducoes/wcag/wcag21-pt-BR/
- Documentação de Acessibilidade (Android): https://developer.android.com/guide/topics/ui/accessibility/index.html
- Documentação de Acessibilidade (iOS): https://developer.apple.com/accessibility/ios/
- Canal Histórias de Cego (Youtube): https://www.youtube.com/channel/UCIlhwna7NBxku-ER3vj7Drg
- Movimento Web para Todos: https://mwpt.com.br/
- Personas para uma UX acessível: https://rosenfeldmedia.com/a-web-for-everyone/personas-for-accessible-ux/
Bons estudos e vamos com tudo para criar soluções acessíveis para mais pessoas!
Para saber mais sobre o tema, faça o Bootcamp Acessibilidade Digital com Paulo Aguilera (Design Ops Lead e Acessibilidade Digital no Banco Carrefour).
Agradecimentos: Comunidade PretUX.