Foto: Sinziana Velicescu
“Mas será que eu vou incomodar?”
OBS: Artigo criado por Will Sertório (product design manager na Revelo), originalmente publicado aqui.
Essa é uma pergunta que começou a pintar na cabeça do nosso time de design e produto, aqui na Revelo, há cerca de um mês. Semanalmente, rodamos experimentos e pesquisas com os usuários para embasar nossas decisões de produto.
Porém, com a quarentena, um tipo específico de pesquisa ficou comprometido: a pesquisa qualitativa. Entrevistas, testes de usabilidade, focus groups, diários de uso continuado. São conversas onde queremos entender não só a percepção do nosso cliente, mas também o porquê das decisões deles.
Vamos combinar que hoje, no tempo livre que temos, estamos pensando na nossa saúde, tentando matar a saudade da família e dos amigos, fazendo um esforço para nos adaptar ao trabalho remoto e tentando não nos abater com o noticiário diário. Estamos respirando fundo.
Sejamos francos: Por mais crítico que esse tipo de pesquisa continue sendo pra gente, poucos estão “com cabeça” para participar de bate-papos assim agora.
Este é o desafio. Como e quando vamos coletar dados qualitativos dos usuários sem sermos invasivos?
Quando fazemos pesquisa hoje?
Olhando para trás, vimos que fazemos pesquisa quali basicamente em três etapas do projeto. Cada etapa reduz um risco específico.
1. Exploratória
Acontece quando estamos iniciando a criação de um novo produto. Queremos entender como o mercado resolve o problema hoje, alternativas, dores e desafios.
Risco reduzido: o problema que imaginamos existe para determinado público.
2. Proposta de valor
Já temos uma ideia do produto e queremos entender se ele resolve o problema do nosso público. Isto pode ser feito com protótipos, landing pages ou até uma apresentação do conceito em ppt.
Risco reduzido: a forma como vamos resolver o problema faz sentido para nossos usuários.
3. Usabilidade
Queremos melhorar os indicadores do nosso produto/feature através de uma usabilidade melhor. Aqui entram os famosos (adivinhe) testes de usabilidade.
Risco reduzido: a solução que desenhamos é considerada fácil de usar pelos usuários.
Qual tipo de risco representa maior ameaça?
Todas essas etapas são, sem dúvida, importantes.
Todas essas etapas merecem pesquisa qualitativa.
Mas se tivéssemos que colocá-las em ordem de prioridade, qual é a etapa arriscada caso a gente não converse com os usuários?
Para o nosso contexto, a lista ficou assim:
1. Proposta de valor
2. Usabilidade
3. Exploratória
Por que priorizamos a etapa proposta de valor?
É possível levantar problemas e dores do mercado com apoio de outras áreas (suporte e vendas, por exemplo). Já usabilidade pode ser avaliada com outras ferramentas e métodos, como avaliação heurística e teste com colegas da empresa, para citar alguns. Além de ser um teste difícil de fazer remoto, apesar das excelentes ferramentas que estão surgindo.
Com isto em mente, pensamos em um Playbook com métodos de pesquisa para cada cenário. Playbooks são guias que fazem a ponte entre estratégia e tática. Eles oferecem abordagens e boas práticas que o time pode consultar na hora de decidir o que fazer no dia-a-dia.
Importante: como funciona o Playbook
Dentro de cada tópico, os tipos de pesquisa já estão priorizados. Ou seja, caso o primeiro método não dê certo (1.1), passe para o próximo (1.2).
Proposta de valor
Os usuários gostariam de usar ou comprar o que estamos construindo?
1.1 Pesquisa por telefone
Ligar para o usuário e coletar um feedback rápido da solução.
– Dê preferência a ligar para o celular da pessoa, evite ferramentas de videoconferência.
– Vale bate-papo com ou sem agendamento prévio.
– Tenha um roteiro estruturado em cima das principais hipóteses.
– Use uma planilha para tabular as respostas enquanto conversa.
– Tente não passar de 15 minutos de conversa.
– Fale com 10 a 15 pessoas.
1.2 Pegar carona em outra área
Identifique uma área da empresa que já esteja em contato com o seu público e aproveite a ligação deles para fazer algumas perguntas para os usuários.
– Alinhe antes com a pessoa que você vai acompanhar no call sobre as perguntas.
– Limite-se a 3 ou 4 perguntas.
– Não improvise nesses cenários, você pode comprometer a venda ou o atendimento.
Usabilidade
Nossa solução é simples de usar? Quais são os gargalos de usabilidade dela?
2.1 Análise heurística
Análise do próprio time a partir de boas práticas de design. Podem funcionar como um “checklist de usabilidade”.
– Escolha uma linha de heurísticas para trabalhar. Segundo a Wikipedia, existem 3 linhas, sendo a do Nielsen a mais popular.
– Tente fazer o exercício em grupo, para coletar visões diferentes e não “baixar a barra”, já que é um exercício subjetivo.
– Priorize as inconsistências mais graves para começar o trabalho.
2.2 Design Review
Semanalmente temos duas design reviews. Nesses encontros, o time de design leva uma solução para receber feedbacks de outros designers.
Apesar de ser uma cerimônias rápida e não valer como um teste de usabilidade, pode ajudar o designer a identificar inconsistências rapidamente na sua solução.
2.3 Teste interno
Se ainda for necessário, faça um teste com pessoas da própria empresa.
– Tente não passar de 30 minutos
– Tenha um roteiro com objetivos e tarefa bem claras
– Escolha pessoas de áreas diferentes, com o mínimo possível de viés sobre a solução
2.4 Terceirizar o teste
Use uma plataforma como a Testaisso ou Mind Miners para rodar seu teste de usabilidade remotamente. Apesar de pagas, elas oferecem um ótimo custo benefício, pois já possuem pessoas cadastradas dispostas a participar dos testes.
Exploratória
Quais são as dores do usuário e como ele resolve o problema hoje?
3.1 Conversa com especialistas da empresa
Falar com outros times dentro da empresa que podem nos ajudar a ter um entendimento do problema. Os times de BI principalmente conseguem levantar de forma estruturada dados que são gerados dentro das demais áreas.
3.2 Desk Research
Vale dar um bom e velho “Google” pra ver se já não existem estudos e pesquisas sobre o problema em questão. O Google Acadêmico, por exemplo, permite buscar artigos criados pela comunidade científica em diversos assuntos.
3.3 Pesquisa assíncrona
Envie seu questionário por e-mail ou Whatsapp para os usuários. Permitir que eles respondam por áudio pode facilitar também, apesar de dificultar a decupagem dos dados depois.
Mas e aí, está dando certo?
Estamos há 4 semanas rodando neste formato, e não tivemos queda no número de pesquisas por semana. Meu maior receio, inclusive, eram as pesquisas por telefone sem agendamento. Pude acompanhar uma rodada na última semana e elas rodaram super bem. Parabéns Pedro e Júlia!
Importante dizer que o Playbook não está escrito em pedra: são apenas boas práticas para este momento difícil. É um documento para o time ter clareza e alinhamento sobre como podemos operar em cada cenário. Agradeço inclusive ao Paulo, nosso CPO, por ter levantado essa bandeira e ter dado autonomia para pensarmos em uma solução.
Resumindo: não está “proibido falar com usuários”. Cabe ao time julgar que método é mais apropriado e considerar as alternativas sugeridas antes de puxar o telefone.
Os próximos passos são continuar evoluindo o playbook com novos cenários e quando acabar a quarentena, vamos entender o que vale a pena ser mantido dele.
Will Sertório é product design manager na Revelo e facilitador na How.