Produto digital para auxiliar e facilitar o trabalho dos professores — maio a agosto/2021
Esse artigo foi escrito por Deborah Naomi Kosaka (UX Design) e publicado originalmente aqui.
Este projeto foi desenvolvido em parceria com Larissa Gusmão, Letícia Utime e Thiago Luan Milverstet, sob mentoria da Amanda Ulitska, no Bootcamp de UX, realizado pela How Bootcamps com a facilitação da Adriane Quintas e Barbara Borges. Agradecimentos especiais à Ana Caroline Bariviera, Bruno Freitas (devs back e front) e Juliano Braz (mentor e professor) que nos auxiliaram em algumas etapas do projeto.
Todo o curso foi realizado de forma remota, trabalhamos em grupo com apoio do Slack, Miro, Google Meet, Docs e Forms. A metodologia proposta e utilizada foi a do Double Diamond.
Nosso grupo teve como tema escolhido “Tecnologia na Educação” e público inicial os professores e professoras.
“Como facilitar o trabalho do(a) professor(a), através de um produto ou serviço digital?”
Imersão
Iniciamos a etapa com a Matriz CSD. Realizamos uma Desk Research para coleta de dados sobre as ferramentas tecnológicas que estavam sendo utilizadas, compreensão do cenário da educação no Brasil (e no mundo) durante a pandemia e de quais formas havia afetado os professores e professoras nos diversos segmentos e categorias de escolas.
Contribuí ativamente com a pesquisa Desk no levantamento das certezas para podermos analisar dados e entender o cenário com o qual estávamos tratando. Tendo em mente esse cenário e, utilizando como base as Dúvidas e Suposições levantadas na Matriz CSD, criamos o formulário para a pesquisa quantitativa e o roteiro para a pesquisa qualitativa.
Cenário | Desk Research
Com a pandemia, a utilização da tecnologia no ensino ocorreu de maneira inesperada aos professores e instituições de educação. Segundo a pesquisa realizada pelo Instituto Península com cerca de 2,5mil professores, 76% dos docentes precisou mudar muito ou totalmente as suas rotinas pessoais e profissionais. E “1 em cada 3 profissionais da Educação básica relata ter piorado em certos aspectos da vida, como a prática de atividades de lazer e cultura, condicionamento físico e qualidade do sono.”
Dados da pesquisa realizada pelo Gestrado/UFMG relataram que:
• 82% dos docentes disseram que as horas de trabalho aumentaram;
• 84% dos professores afirmam que o envolvimento dos alunos diminuiu um pouco ou diminuiu drasticamente durante a pandemia;
• O estado emocional dos professores também está sendo colocado à prova: 69% declararam ter medo e insegurança por não saber como será o retorno à normalidade e 50% declaram ter medo em relação ao futuro.
Pesquisa Quantitativa
Com o objetivo de coletar dados a partir da perspectiva diretamente do público sobre sua relação de trabalho com o uso da tecnologia e o cenário da pandemia, realizamos um questionário on-line, via Google Forms, aberto a professores e professoras de todos os segmentos (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Graduação e Pós-Graduação) e obtivemos 32 respostas. Alguns pontos de destaque:
100% encontraram dificuldades no período da pandemia.
90,6% relataram aumento na demanda de trabalho.
66% responderam que sentem dificuldade na avaliação de desempenho dos alunos no modelo remoto.
71,9% consideram que o tempo dedicado ao planejamento e preparação das aulas aumentou muito.
100% consideram ter facilidade na utilização das ferramentas, embora 50% tenham procurado cursos para auxiliar na utilização delas.
A pesquisa quantitativa também foi importante para recrutarmos professores para o aprofundamento na pesquisa qualitativa e para realizar o recorte do público que trabalharíamos, compreendemos que as dores variavam conforme o segmento, então foi definido como público os professores e professoras de Ensino Fundamental I.
Pesquisa Qualitativa
Foram feitas 2 entrevistas com professoras: uma delas via video-chamada e a outra de forma assíncrona via áudio do WhatsApp, ambas tiveram como base um roteiro semi-estruturado de exploração sobre a usabilidade da tecnologia no dia de trabalho, como as atividades estavam sendo realizadas e sobre sua rotina antes e durante a pandemia.
“Quando se inicia o ensino remoto, tudo que era feito através de um canal passam a ser três, passam a ser várias plataformas, então, por exemplo, eu faço a mesma chamada por 4 lugares diferentes. E não há um programa que passe de um para o outro, então eu tenho que retroalimentar esse sistema manualmente.”
“Acho que hoje eu aprendi a usar e automatizar uma série de processos, toda essa parte burocrática, de papel, acho que vai continuar no remoto e é muito bacana, pois é muito fácil você olhar aqui, mas o planejar é mais difícil e mais chato.”
“Eu preciso então mandar semanalmente para essas turmas um roteiro pedagógico, trazendo ali um registro escrito do que é que estou elaborando para ele, e o que ele precisa produzir.”
“[…] tem a organização semanal com as pautas de cursos que vem da SME, preciso assistir as vídeo-aulas gravadas, fazemos o conselho de classe, planilhas, registro de relatório, acompanhamento de famílias também pelo Whats, e reuniões virtuais pelo menos uma vez por semana, com as famílias, com o núcleo regional, e com a secretaria sempre que necessário, ou seja, o trabalho remoto não tem muito um fim hoje no dia a dia […].”
Card Sorting e Top Insights
Com os dados das pesquisas quantitativa e qualitativa, foi atualizada a Matriz CSD e realizado o Card Sorting com todas as certezas agrupando-as em duas camadas: a primeira por assunto e a segunda em oportunidades, dores e neutro. A partir das principais dores e oportunidades, geramos 6 top insights:
Insight 1: Os professores levam muito tempo com trabalhos operacionais, preenchendo diários de classe, controle de frequência e notas.
Insight 2: Os professores precisaram criar roteiros/trilhas adaptadas e estudar tutoriais para orientar os alunos.
Insight 3: Para os professores é importante que haja o retorno entre aluno e professor.
Insight 4: Os professores buscam conhecimento das ferramentas existentes que possam auxiliar no desenvolvimento das aulas.
Insight 5: As ferramentas atuais não são adequadas para as crianças de 5 a 12 anos.
Insight 6: Pela faixa etária dos alunos, professores precisam do contato direto com as famílias para auxiliar o processo de aprendizagem.
Definição
Personas e Mapas de Empatia
Foram criadas duas personas a partir das entrevistas qualitativas em dois perfis de realidades extremas. A análise de comportamento das pessoas usuárias a partir das personas foram essenciais para as decisões levantadas no processo.
Mariana tem 27 anos, vive com o namorado, trabalha em escola particular, está atuando no modelo híbrido (no remoto a aula é realizada ao vivo via Zoom).
Ocupa boa parte do seu tempo em tarefas burocráticas, adaptando os conteúdos e planejando suas aulas. Gostaria de otimizar e automatizar alguns processos do seu trabalho para ter mais tempo de lazer.
Vera Lúcia tem 54 anos, vive com o marido e dois filhos, leciona em uma escola da rede municipal, está no modelo remoto em que as aulas dadas são gravadas e disponibilizadas via canal de tv e YouTube da Secretaria do munício.
Encontra dificuldades na conciliação do seu trabalho com as atividades familiares. Gostaria de ter mais tempo para dar atenção aos filhos.
Para aprofundamento e detalhamento das personalidades das personas, foram desenhados dois Mapas de empatia. Aprofundamos nas necessidades de cada persona descrevendo oportunidades através dos Job stories. A análise sobre os resultados esperados e as premissas de sucesso foram importantes para redefinirmos a pergunta central do projeto.
Problem Statement
A partir dos Job Stories optei por descrever um Problem Statement para ajudar a afunilar nossa problemática:
“Professores que estão atuando no sistema remoto de aulas, têm um grande aumento da demanda de trabalho porque todos os processos e ferramentas hoje são descentralizadas. Devemos buscar soluções que contribuam para uma atividade mais prática e menos cansativa para que os professores consigam mensurar resultados e aproveitamento das aulas pelos alunos.”
“Como centralizar o trabalho do(a) professor(a), nos processos de planejamento e controle de conteúdos, comunicação com os alunos, e registro das aulas, através de um produto ou serviço digital?”
Ideação
Com a redefinição da pergunta do negócio, realizamos um Benchmarking e a análise heurística com base nos 10 princípos de Abby Covert para análise da concorrência e recursos utilizados em soluções análogas. Foram analisadas plataformas de organização financeira, calendário, salas de aulas, operações e registros escolares, ferramentas de comunicação e streamming. Destacamos os principais parâmetros para ideação do produto:
Encontrável: Facilidade em encontrar as turmas ativas referentes a cada professor.
Útil: Objetividade para planejar atividades e administrar alunos e notas.
Clara: Muito fácil e simples de usar, ser intuitiva.
Encantadora: Linguagem amigável e layout moderno.
Nesta etapa tivemos a oportunidade de realizar uma breve conversa com um dos mentores do Bootcamp que também é professor, em que ele compartilhou conosco sua experiência com as ferramentas que utiliza no seu trabalho. Entramos em contato novamente com uma das entrevistadas para compreendermos um pouco mais sobre como ela estava realizando as atividades de registro de aulas e frequências. Pudemos ter percepções sobre algumas questões de usabilidade sobre as plataformas e quantidade de ferramentas utilizadas.
A construção do moodboard é muito familiar pra mim, então pude contribuir na busca por referências visuais que direcionassem na construção visual da nossa plataforma.
Foi realizado o brainstorming em formato de mapa mental para geração de ideias para cada necessidade da problemática: planejamento (o que será feito em sala de aula), registro das aulas (o que for feito em sala de aula), comunicação com pais e alunos, controle de frequência e acompanhamento das aulas.
A seguir realizamos o Card Sorting das funcionalidades e, com auxílio do método MoSCoW (must have / should have / could have / won’t have), geramos parâmetros para refletirmos sobre a principal dor das usuárias e priorização das funcionalidades.
Compreendemos como ponto de atenção principal o tempo utilizado para realização de tarefas burocráticas, conectadas ao uso das ferramentas disponíveis e que são utilizadas para esse fim hoje, e então redefinimos mais uma vez a pergunta de negócio:
“Como centralizar o trabalho do(a) professor(a) nos processos de registro de conteúdos das aulas, de frequências e de notas e avaliações dos alunos, através de um produto ou serviço digital?”
Para integração das principais funcionalidades, elegemos como plataforma central um calendário escolar, em que as professoras têm acesso fácil às aulas e de cada turma, possibilitando os registros acima. Através desse controle, o objetivo é que cumpra a função de um diário de classe virtual.
User Flow
O fluxo se inicia no acesso à plataforma por um login pessoal fornecido pela instituição de ensino que já teria lançado previamente todas as turmas do(a) professor(a). A primeira tela é um calendário semanal com todas as turmas e aulas, e uma listagem a parte das turmas que leciona. A partir dessa tela existem dois caminhos para realizar os registros: diretamente pelo calendário principal e a partir da turma selecionada.
Fluxo A — via calendário
Escolha da data, seleção da aula/turma, escolha da opção para registro: frequência, conteúdos ou avaliações.
Fluxo B — via turma
Seleção da turma, seleção da aula, escolha da opção para registro: frequência, conteúdos ou avaliações.
Nesta etapa, fiz o convite para dois desenvolvedores, um front-end e uma desenvolvedora back-end, para que pudéssemos apresentar e ter um feedback sobre a nossa proposta. Foram 3 horas de bate-papo, em que eles trouxeram à luz diversas questões sobre funcionalidade, possibilidades de implantação e informações que agregaram com o desenvolvimento do projeto, numa visão mais próxima do mercado.
Rabiscos e Wireframe
Foram realizados rabiscosframes a partir de um brainstorming para uma primeira compreensão da arquitetura das telas. Tendo como base a função do calendário, observamos novamente plataformas com esse tipo de acesso para a possibilidade de inserção de um calendário permanente lateral de acesso rápido e um menu para acesso de todas as turmas. Para definir essa possibilidade de layout para uma aplicação web responsiva, optamos inicialmente pelo desenvolvimento do wireframe de média fidelidade para desktop.
Por meio do wireframe avaliamos a continuidade dos fluxos das telas, que evidenciou a complexidade de cada uma das funcionalidades. Compreendemos a necessidade de desenhar um fluxo simples e de fácil acesso aos registros e consulta das informações, assim como na compilação de listagem de dados mais interessante ao projeto.
Prototipação
Realizamos o desenvolvimento do protótipo de forma colaborativa no Figma, tendo como base o wireframe de média fidelidade. Optamos inicialmente por testar o fluxo de registro de frequência e posteriormente implantarmos e definirmos as demais opções para registro: conteúdos e avaliações, assim como as consultas das informações.
Testes de Usabilidade
Elaboramos o roteiro para aplicação do teste de usabilidade para observar a percepção das pessoas usuárias com relação à interação com o layout do calendário; o fluxo escolhido para registro de frequência (por turma ou pelo calendário); observar a usabilidade no registro de frequência e ocorrências; e a percepção conceitual das demais telas (carômetro — visualização dos alunos -, registro dos conteúdos e registro das avaliações).
Antes da aplicação dos testes com as pessoas usuárias, realizei algumas simulações com outras pessoas para avaliar se o roteiro estava claro e se o protótipo que desenvolvemos abriria corretamente. Encontrei uma dificuldade técnica com relação ao equipamento, em que alguns não suportavam a visualização do protótipo no Figma, ficando desconfigurado. Para esse caso encontrei como opção a realização dos testes via Zoom, utilizando o compartilhamento de tela e dando acesso à pessoa para realizar o teste diretamente pelo meu computador. Também houve uma percepção quanto aos “hoverings”, os quais optamos por retirar para realizar os testes, pois deixavam o protótipo mais lento durante os compartilhamentos de tela nas plataformas de videoconferência.
Outra opção de ferramenta que testei foi a utilização da plataforma Maze, na qual inseri todas as telas e as tarefas para avaliar se a ferramenta poderia atender os testes caso optássemos pelo formato assíncrono. No entanto, consideramos que algumas pessoas poderiam ter dificuldades em utilizar plataformas diferentes do que já estavam habituadas, por isso optamos por utilizar o Google Meet.
Na tentativa de prever quaisquer problemas na abertura do protótipo e facilitar o acesso e o compartilhamento, embuti o protótipo navegável em uma página personalizada, que utilizamos para enviar para as pessoas usuárias realizarem os testes: https://diariovirtual.myportfolio.com/.
Resultados do teste de usabilidade
Os testes foram realizados de forma síncrona e moderada via Google Meet com 6 pessoas. Utilizamos como ferramenta o formulário SUS (System Usability Scale), enviado ao final de cada teste por um link do Google Forms. Considerando a experiência das pessoas usuárias, a média do formulário foi de 86, ficando assim na classificação A.
O fluxo escolhido para o registro de frequência foi de 66,66% pelo calendário e 33,33% pela turma, neste fluxo algumas pessoas tentaram clicar em cima da data, que não era o caminho que havíamos definido.
No registro de frequências não houveram dificuldades; no de ocorrências, duas pessoas levaram um pouco mais de tempo para encontrar o botão de registro.
Duas pessoas usuárias tentaram clicar e acessar o carômetro pela lista de frequência (que não havia interação pelo protótipo) e foi sugerido o acesso também por essa lista.
Algumas pessoas comentaram que sentiram falta de um botão de frequência na página inicial.
O menor tempo realizando as tarefas foi de 2 minutos, e o maior, de 11 minutos. A média de tempo para conclusão do teste pelos participantes foi de aproximadamente 6 minutos.
De forma geral, a interação com o layout do calendário foi positiva e agradou às pessoas usuárias, 100% delas concordaram que o sistema é fácil de utilizar.
Percebemos que o teste de maneira remota requer atenção aos equipamentos das pessoas recrutadas. Para algumas, o computador pessoal não suportou o arquivo do protótipo navegável do Figma ou abriu desconfigurado. Frente a essa situação, resolvemos tirar todos os “hoverings” em amarelo, para que o arquivo pudesse ser aberto nos computadores dos participantes. Acreditamos que essa mudança também impactou a experiência.
Próximos passos
Neste momento, estamos na etapa de revisão e análise de melhorias a partir dos resultados dos testes de usabilidade, para trabalharmos na nova versão do protótipo.
Conclusões e aprendizados
A redefinição da pergunta do negócio e as etapas de priorização foram fundamentais para que tivéssemos os direcionamentos necessários no desenvolvimento da solução, sempre com foco nas pessoas usuárias. Voltar alguns passos, revisitar dados e realinhar expectativas foram muito importantes para que o grupo estivesse em sintonia.
Durante os testes de usabilidade do primeiro fluxo da nossa plataforma, conversamos novamente com professores e professoras, tanto de escolas públicas quanto de particulares, e vimos como as percepções e realidades são bem distintas em diversos pontos específicos e muitas dores são comuns. Sabemos que é um assunto muito sensível quando discutimos sobre a educação em nosso país, ao mesmo tempo que é tão importante olhar para isso. Em mim, desperta aquele sentimento de querer ajudar e abraçar o mundo e todas as realidades, mas também me recordo da aula de indexação e definição em que as facilitadoras destacam: “comece pequeno para ser grande”. Hoje, observo isso em todos os níveis: seja no produto que estou desenvolvendo ou na vida. Priorização é um exercício diário para progredir e crescer.
Acredito que a minha principal contribuição foi a partir da minha experiência como Designer, por já ter aplicado alguns dos processos nos projetos que desenvolvi como freelancer, e dos meus conhecimentos adquiridos com a pós em Design de Serviços, tendo maior contato com a área e aplicação das ferramentas.
Posso ler quantos livros e artigos forem necessários, porém, a experiência e aplicação de todos os processos e ferramentas, na prática, foi um grande aprendizado. Ter a oportunidade de estar com pessoas multidisciplinares e com diferentes bagagens foi enriquecedor. Compreendi ainda mais como é valioso ouvir as pessoas e trabalhar de forma colaborativa. Tudo isso reflete o quão incrível é o processo do design e reforça como o UX e o design centrado no usuário é feito de pessoas para pessoas.