OBS: Esse artigo foi criado por Karla Cruz (UX Researcher na 99/DiDi) no período em que atuou como UX Researcher na PagSeguro, originalmente publicado aqui.
Com o objetivo de mostrar a concepção de um produto aqui no PagSeguro, compartilho a minha experiência como UX (user experience) designer no início de um projeto com indefinições comuns de negócio, e conto como utilizamos user research para descobrir novas oportunidades e criar um produto centrado nas pessoas.
Este projeto teve início há alguns meses com a ideia de um serviço para um público totalmente diferente do que conhecemos atualmente na empresa: consumidores domésticos, famílias e crianças.
Dados existentes
Buscar dados dentro de casa, que nos deem algum norte antes da aplicação de qualquer pesquisa com usuário, é uma das primeiras coisas que fazemos ao iniciar qualquer projeto. Levantamos esses dados do Google Analytics, do Hotjar, da nossa base junto ao CRM ou do Atendimento.
Considerando que grande parte das informações da nossa base são baseadas no negócio dos nossos clientes, nenhum desses caminhos citados nos ajudaram a descobrir um público novo. Não sabemos de suas famílias, se possuem filhos, como vivem seu dia a dia fora do trabalho ou o que fazem no tempo livre. Como virar a chave do público atual, empreendedor ou empresário, e olhar para a gestão do dinheiro dentro de suas famílias?
Plano e expectativas
No dia da reunião de kick off ouvimos que teríamos duas semanas para o projeto de design do novo produto. Soubemos pelo time de negócios que as features e sua prioridades foram escolhidas de acordo com o produto dos concorrentes, e que maior era a importância da cada feature se esta aparecesse no produto do concorrente (planilha de benchmark ao lado).
A oportunidade inicial de negócio veio a partir de um grande estudo sobre possíveis parcerias com as outras empresas do grupo, o que deixava claro o potencial destes novos produtos, mas o público ainda era um tema muito aberto.
Com isso, decidimos dividir as duas semanas, sendo a primeira para a organização de um workshop de cocriação e a segunda para o conceito do produto. Na sequência, a ideia era trabalhar junto com o time de desenvolvimento de acordo as necessidades de cada entrega.
Workshop de cocriação
Como designers do produto, Bruno Macedo (UI) e eu (UX) decidimos aplicar um workshop com crianças, adolescentes e suas famílias. Seria a forma mais dinâmica de falar com várias pessoas em um pequeno período de tempo e colher insights qualitativos sobre as necessidades e dores do nosso público.
As etapas que seguimos foram:
- Recrutamento
Para facilitar o recrutamento e viabilizar o workshop dentro de uma semana, sem bonificação e sem uma base pré-seleciona, convidamos pessoas do grupo empresarial que não estavam diretamente relacionadas ao novo produto e que estavam dentro do que compreendíamos como público. - Planejamento
Existiam expectativas para o workshop e todos da equipe queriam mostrar ou perguntar alguma coisa do seu interesse aos participantes, com isso tivemos muitos desafios para organizar e aproveitar bem o dia. Começamos pelas atividades voltadas para histórias particulares e fomos até a identificação de valor de um novo produto, suas características digitais e físicas. - Criação de cards
Como queríamos ir direto ao ponto — afinal, nós tínhamos uma tarde com nossos usuários e depois disso seria um bom período de mão na massa — utilizamos o trabalho de benchmarking feito lá no início pelo time de negócios, transformamos cada feature dos concorrentes em um card físico, ilustrado e lúdico. - Apresentação dinâmica com histórias
A dinâmica iniciou com as histórias de família, acontecimentos que os filhos ainda não haviam compartilhado com os pais, situações na escola e em viagens, aqueles momentos engraçados e muitas vezes mal resolvidos, o que enfatizava as dores e as necessidades da família quando o tema era a relação com o “dinheiro”. - Post-it de “coisas boas” e de dificuldades
Pedimos que cada um no seu papel — pais e filhos — colocasse um post-it em um lado da sala: os pais escreviam suas dificuldades e os filhos escreviam coisas boas relacionadas ao dinheiro. - Grupos por perfil
Para que pudéssemos tirar o melhor de cada perfil, dividimos as 20 pessoas em 4 grupos, dois grupos de pais e mães, um grupo de adolescentes e um de crianças. As pessoas do nosso time de negócio e de produto ficavam passeando entre eles e dando apoio aos grupos nas atividades. - Escolha de cards de features
Demos um agrupamento igual de cards para cada grupo para que fosse escolhido um card de maior importância por pessoa e, na sequência, um por grupo, o que seria prototipado pelos convidados. Isso foi o que nos guiou para o que era mais importante na percepção deste público. - Extras para o time
Também levamos para o workshop vários aplicativos para saber o que eles pensavam sobre o visual e sobre as funcionalidades, assim como perguntamos sobre seus personagens e influenciadores favoritos, o que poderia nos apoiar na oferta do produto. Todos do time queriam um espacinho para tirar seus insights com os potenciais usuários, inclusive os responsáveis pelo marketing. - Brindes
Ao final disponibilizamos alguns brindes e os participantes foram incentivados a utilizar cartões e máquinas de pagamento. Parte dos pequenos estava utilizando pela primeira vez um cartão na sua forma física.
Nesta dinâmica de 4 horas com 10 famílias, 20 participantes convidados entre pais, crianças e adolescentes de 7 até 18 anos, além dos 6 membros da equipe, concluímos nossa primeira semana de projeto. Com o resultado da dinâmica já tínhamos muitas informações sobre público e comportamento, assim como identificamos diferenciais de negócio e features básicas para o produto.
Pesquisa quantitativa — Survey
“For innovators, understanding the job is to understand what consumers care most about in that moment of trying to make progress.”
― Clayton M. Christensen
Com um pouco mais de tempo, depois das primeiras entregas, considerando que já tínhamos as primeiras interfaces, iniciamos uma outra pesquisa complementar com a própria base para entender qual era a aderência daquele serviço aos clientes atuais.
Filtramos com o CRM os cliente que utilizavam o produto de forma pessoal e seguindo o conceito do JTBD (jobs to be done) queríamos saber como os clientes já haviam se apropriado do produto atual para realizar seus desejos e necessidades. O objetivo era explorar o que eles já faziam sem perguntar o que eles queriam.
Com o questionário respondido criamos um relatório de pesquisa em formato de infográfico. O formato visual é para facilitar a compreensão entre os participantes do projeto e também para facilitar o compartilhamento da informação para os demais interessados.
Principais aprendizados
- Nunca deixe de consultar usuários de verdade, mesmo com pouco tempo é possível adequar user research ao seu projeto.
- O workshop pode cumprir tanto a função de descoberta quanto de criação e permite colocar o usuário junto a equipe para gerar ideias e priorizar features de produto, o que é uma boa saída para quem precisa comprimir as etapas de pesquisa e insights.
- Como designer, explore ferramentas visuais para criar relatórios de pesquisa e permitir que a informação seja compartilhada e absorvida de forma simples e agradável.
- User research, para ser eficiente, precisa ser flexível e se adaptar ao contexto da empresa. Deve ser tão lean quanto o negócio, tão agile quanto os times e trazer o usuário para perto da equipe de trabalho.
Você pode ver a continuidade deste mesmo projeto com a sonda cultural aplicada pelo time de design da PagSeguro. 🙂
Karla Cruz é UX Researcher na 99/DiDi e facilitadora dos bootcamps UX Research e Design Thinking de Serviços, aqui, na How.